Jejum Intermitente: Uma Revisão Científica Abrangente de Mecanismos, Efeitos na Saúde, Riscos e Práticas

I. Introdução ao Jejum Intermitente: Conceitos Essenciais e Práticas Comuns
- A. Definição de Jejum Intermitente (JI): Uma Visão Geral Baseada em Evidências
O jejum intermitente (JI) representa um padrão alimentar caracterizado não primariamente pelo tipo de alimentos consumidos, mas sim pelo momento em que são ingeridos. Envolve ciclos voluntários que alternam entre períodos de alimentação normal e períodos de jejum, durante os quais a ingestão calórica é nula ou mínima.1 Estes períodos de jejum recorrentes podem variar em duração, tipicamente de 12 horas a vários dias.2
É fundamental distinguir o JI da restrição energética contínua (REC). Enquanto ambos frequentemente resultam numa redução da ingestão calórica total, o JI estrutura essa restrição temporalmente, alternando períodos de alimentação e jejum. Em contraste, a REC implica uma redução calórica diária consistente.2 Alguns estudos sugerem que o JI pode ser percebido como mais fácil de aderir por certos indivíduos em comparação com a contagem diária de calorias.30 No entanto, a adesão a longo prazo pode ser desafiadora, e taxas de abandono significativas são uma preocupação em estudos prolongados.31
A prática da abstinência voluntária de alimentos, ou jejum, não é um conceito moderno. Possui raízes históricas profundas, sendo praticada há milênios em diversas culturas e religiões para fins espirituais, de saúde ou purificação.2 Os protocolos modernos de JI adaptam estes conceitos ancestrais com o objetivo de alcançar benefícios para a saúde e gestão do peso corporal. Esta ligação histórica sugere que o jejum periódico pode ter uma base evolutiva ou fisiológica, não sendo apenas uma tendência dietética contemporânea.
- B. Principais Tipos de Protocolos de Jejum Intermitente
O JI não é uma dieta única, mas sim uma categoria de padrões alimentares que engloba uma variedade de protocolos com diferentes programações de jejum e alimentação. Esta heterogeneidade implica que os efeitos e a viabilidade podem variar significativamente entre os diferentes tipos de JI, tornando a generalização de resultados problemática. Os protocolos mais estudados e praticados incluem:
- Alimentação com Restrição de Tempo (Time-Restricted Eating/Feeding – TRE/TRF): Este método limita a ingestão diária de alimentos a uma janela de tempo específica, geralmente entre 4 a 12 horas, seguida por um período de jejum de 12 a 20 horas.1
- Método 16/8: Consiste em jejuar por 16 horas consecutivas e concentrar toda a ingestão alimentar numa janela de 8 horas (por exemplo, das 12h às 20h). É um dos métodos mais populares e frequentemente recomendado como ponto de partida.1
- Método 14/10: Similar ao 16/8, mas com uma janela de jejum de 14 horas e uma janela alimentar de 10 horas.20 Jejum mais curtos (6-8 horas) também são praticados.1
- TRE Precoce (eTRE): A janela alimentar é deslocada para o início do dia (por exemplo, das 8h às 14h ou terminando antes das 15h), procurando alinhar a alimentação com os ritmos circadianos endógenos.1 Algumas evidências sugerem que o eTRE pode oferecer benefícios únicos para a sensibilidade à insulina e pressão arterial, potencialmente independentes da perda de peso.1
- Outras Variações de TRE: Incluem janelas mais restritas como 20/4 (associada ao conceito da Dieta do Guerreiro) 28 ou janelas inferiores a 8 horas.1
- Jejum em Dias Alternados (Alternate-Day Fasting – ADF): Caracteriza-se pela alternância entre dias de alimentação sem restrições (“dias de festa”) e dias de jejum completo (zero calorias) ou com ingestão calórica significativamente reduzida (“dias de jejum”).1
- ADF Zero Calorias: Abstinência total de calorias nos dias de jejum.34
- ADF Modificado (ADMF): Consumo de aproximadamente 25% das necessidades calóricas diárias típicas (cerca de 500-600 calorias) nos dias de jejum.1 É frequentemente considerado mais exequível do que o ADF zero calorias 21, e algumas evidências sugerem que pode ser particularmente eficaz na redução do Índice de Massa Corporal (IMC).56
- Jejum Periódico (Periodic Fasting – PF) / Jejum de Dia Inteiro: Inclui protocolos que envolvem 1 a 2 dias completos de jejum (ou restrição calórica severa) por semana, com alimentação sem restrições nos restantes dias.1
- Dieta 5:2: Alimentação normal durante 5 dias da semana, com restrição a 400-600 calorias em 2 dias não consecutivos.1
- Eat Stop Eat: Um ou dois jejuns completos de 24 horas por semana.20
- Dieta que Imita o Jejum (Fasting Mimicking Diet – FMD): Consumo periódico (por exemplo, 5 dias consecutivos por mês) de uma dieta especificamente formulada, baixa em calorias, proteínas e hidratos de carbono, e alta em gordura, desenhada para mimetizar os efeitos do jejum, fornecendo simultaneamente micronutrientes.55
É importante notar que jejuns mais longos (24, 36, 48, 72 horas) são por vezes incluídos em discussões sobre JI, mas podem acarretar riscos mais elevados e não são necessariamente mais benéficos. A privação prolongada de alimentos pode, paradoxalmente, encorajar o corpo a armazenar mais gordura em resposta à percepção de fome.4 O “jejum seco”, que restringe a ingestão de líquidos além de alimentos, é perigoso devido ao risco de desidratação severa e deve ser evitado.30
Tabela 1: Comparação dos Protocolos Comuns de Jejum Intermitente
Nome do Protocolo | Programação Típica | Duração do Jejum (horas/dias) | Janela Alimentar (horas/dias) | Ingestão Calórica nos Dias de Jejum | Características Principais |
TRE 16/8 | Jejum diário de 16h, janela alimentar de 8h (ex: 12h-20h) | 16 horas | 8 horas | N/A (Jejum completo) | Popular, conveniente (jejum noturno estendido), bom ponto de partida.1 |
TRE 14/10 | Jejum diário de 14h, janela alimentar de 10h | 14 horas | 10 horas | N/A (Jejum completo) | Variação ligeiramente menos restritiva do TRE.20 |
TRE Precoce (eTRE) | Janela alimentar diária deslocada para o início do dia (ex: 8h-14h) | 18+ horas | ?6 horas | N/A (Jejum completo) | Alinha com ritmos circadianos; pode ter benefícios metabólicos independentes do peso.1 |
ADF Modificado (ADMF) | Alterna dias de alimentação normal com dias de ingestão de ~25% das calorias (~500 kcal) | ~36 horas (inclui noite) | ~12 horas (dia alimentar) | ~500-600 kcal | Mais exequível que ADF zero calorias; eficaz para perda de peso.1 |
ADF Zero Calorias | Alterna dias de alimentação normal com dias de jejum completo (apenas água/sem calorias) | ~36 horas (inclui noite) | ~12 horas (dia alimentar) | 0 kcal | Mais restritivo; pode ser difícil de manter.34 |
Dieta 5:2 | 5 dias de alimentação normal, 2 dias não consecutivos com ~500-600 kcal/dia | 2 dias/semana (jejum modificado) | 5 dias/semana (normal) | ~500-600 kcal | Popular; permite flexibilidade na escolha dos dias de jejum.1 |
Jejum de Dia Inteiro (24h) | 1-2 dias de jejum completo (24h) por semana | 24 horas | Restantes dias (normal) | 0 kcal | Ex: Eat Stop Eat; pode ser desafiador (fadiga, dores de cabeça).20 |
Dieta que Imita o Jejum (FMD) | 5 dias consecutivos/mês com dieta específica baixa em calorias/proteínas/HC, alta em gordura | 5 dias/mês (jejum mimetizado) | Restantes dias (normal) | Baixa (~750-1100 kcal dia 1, ~725 dias 2-5) | Projetada para induzir benefícios do jejum com alguma ingestão nutricional.55 |
- C. Perspetivas Iniciais: Principais Benefícios e Precauções (Princípio de Pareto)
A aplicação do Princípio de Pareto (80/20) ao JI sugere que a maior parte do interesse inicial e do impacto potencial percebido (o “80%”) deriva de alguns benefícios chave (o “20%”), nomeadamente a gestão do peso e a melhoria de marcadores metabólicos como a glicose e a insulina.1 No entanto, para uma compreensão completa e segura, é crucial equilibrar este apelo inicial com precauções claras.
O JI não é apropriado para todos. É contraindicado ou requer supervisão médica rigorosa em vários grupos, incluindo indivíduos menores de 18 anos, mulheres grávidas ou a amamentar, pessoas com histórico de distúrbios alimentares (como anorexia ou bulimia nervosa), indivíduos com diabetes tipo 1, certos pacientes com diabetes tipo 2 (especialmente aqueles em tratamento com insulina ou sulfonilureias devido ao risco de hipoglicemia), pessoas com risco elevado de perda óssea ou quedas, e aqueles que tomam medicamentos que necessitam ser ingeridos com alimentos.1 A consulta com um profissional de saúde antes de iniciar qualquer regime de JI é, portanto, indispensável.1 Colocar estas advertências em primeiro plano segue o princípio de “primeiro, não prejudicar” e ajuda a gerir as expectativas do leitor sobre a aplicabilidade universal do JI.
II. A Ciência por Trás do Jejum Intermitente: Mecanismos Fisiológicos
A popularidade do jejum intermitente é sustentada por uma base crescente de investigação científica que explora os seus mecanismos fisiológicos subjacentes. Estes mecanismos envolvem alterações metabólicas complexas, modulação hormonal, processos de renovação celular e influência na expressão génica e vias inflamatórias. Compreender estes processos é crucial para avaliar os potenciais benefícios e riscos do JI.
- A. Comutação Metabólica: A Transição Glicose-para-Cetona (G-para-K)
Um dos mecanismos centrais propostos para os efeitos do JI é a “comutação metabólica” (metabolic switching), especificamente a transição da utilização de glicose para a utilização de corpos cetónicos como principal fonte de energia.4 Este processo desenrola-se da seguinte forma:
- Depleção de Glicogénio: Após um período de jejum, geralmente estimado entre 10 a 14 horas (embora variável entre indivíduos e dependente da atividade física), as reservas de glicogénio armazenadas no fígado esgotam-se.4 O glicogénio hepático é a principal fonte de glicose de libertação rápida para manter os níveis de açúcar no sangue.
- Lipólise: Com a depleção do glicogénio e a consequente diminuição dos níveis de insulina (ver secção II.B), o corpo começa a mobilizar as reservas de gordura. Os triglicerídeos armazenados no tecido adiposo são hidrolisados em ácidos gordos livres (AGL) e glicerol, que são libertados na corrente sanguínea.8
- Cetogénese: Os AGL são transportados para o fígado, onde sofrem beta-oxidação e são convertidos em corpos cetónicos: principalmente ?-hidroxibutirato (BHB) e acetoacetato, com acetona como subproduto.5
- Utilização de Cetonas: Os corpos cetónicos são libertados na circulação e podem ser utilizados como fonte de energia por vários tecidos, incluindo o músculo esquelético, coração e, crucialmente, o cérebro, que se adapta para utilizar cetonas eficientemente durante o jejum prolongado.9
Esta capacidade de alternar entre glicose e cetonas como principal combustível é denominada “comutação metabólica” ou “interruptor G-para-K” (Glucose-to-Ketone switch).4 A hipótese subjacente a muitos dos benefícios do JI é que a exposição repetida a esta comutação (Jejum Metabólico Intermitente – IMS) promove a flexibilidade metabólica e induz respostas celulares adaptativas que aumentam a resistência ao stress oxidativo e metabólico.6 A implicação fisiológica disto é que protocolos de JI com durações de jejum inferiores a 10-14 horas podem não induzir de forma fiável uma cetogénese significativa ou os benefícios de sinalização associados a ela, o que pode explicar por que razão protocolos como o 16/8 ou ADF são frequentemente o foco de estudos sobre efeitos metabólicos.
Além do seu papel como combustível alternativo, os corpos cetónicos, especialmente o BHB, funcionam como moléculas de sinalização. Podem influenciar a expressão génica (por exemplo, através da inibição de histona desacetilases – HDACs), modular a inflamação e aumentar a resistência celular ao stress.6
- B. Orquestração Hormonal: Insulina, Glucagon, Hormona do Crescimento e Outras
O jejum desencadeia uma cascata de alterações hormonais que orquestram a resposta metabólica do corpo. Estas alterações são interdependentes e centrais para os efeitos observados do JI:
- Insulina: Uma das alterações mais consistentes e significativas induzidas pelo JI é a diminuição dos níveis de insulina circulante e a melhoria da sensibilidade à insulina (ou seja, redução da resistência à insulina).2 A redução da insulina é fundamental para permitir a lipólise (quebra de gordura) e é um mecanismo central para muitos dos benefícios metabólicos atribuídos ao JI, como a melhoria do controlo glicémico. Alguns estudos sugerem que o efeito de redução da insulina pode ser mais pronunciado com JI do que com REC.10
- Glucagon: Como hormona contra-reguladora da insulina, os níveis de glucagon tipicamente aumentam durante o jejum.51 O glucagon atua principalmente no fígado, estimulando a glicogenólise (quebra de glicogénio) e a gluconeogénese (produção de glicose a partir de precursores não-glucídicos) para manter os níveis de glicose no sangue durante o período de jejum.
- Hormona do Crescimento (HGH): O jejum, especialmente jejuns apenas com água com duração superior a 20-24 horas, demonstrou aumentar significativamente os níveis de HGH.45 Este aumento parece ocorrer independentemente da perda de peso associada.141 A HGH desempenha múltiplos papéis metabólicos, incluindo a promoção da lipólise, a conservação de proteínas (poupando massa muscular durante o jejum) e a influência nos níveis de IGF-1.90 A magnitude do aumento de HGH pode ser inversamente proporcional aos níveis basais de HGH do indivíduo.141
- IGF-1 (Fator de Crescimento Semelhante à Insulina-1): Os níveis de IGF-1 tendem a diminuir durante o jejum, o que pode estar ligado à redução da ingestão de proteínas e às alterações na sinalização de HGH e insulina.12 A via de sinalização insulina/IGF-1 é uma via conservada associada ao crescimento e envelhecimento; a sua atenuação pelo jejum é considerada um mecanismo chave nos potenciais benefícios para a longevidade.
- Adipocinas (Leptina, Adiponectina): A leptina, uma hormona produzida pelo tecido adiposo que sinaliza saciedade, geralmente diminui com o jejum e a perda de peso.12 A adiponectina, outra hormona adipocitária com efeitos sensibilizadores da insulina e anti-inflamatórios, pode aumentar ou permanecer inalterada durante o JI.10 A relação adiponectina/leptina é por vezes utilizada como um marcador de saúde metabólica.90
- Hormonas Reprodutivas (Androgénios, Estrogénios, SHBG): Os efeitos do JI nas hormonas reprodutivas parecem ser complexos e potencialmente dependentes do sexo e do estado metabólico inicial. Em mulheres, especialmente aquelas com obesidade ou Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), o JI (particularmente o eTRE) pode diminuir os níveis de androgénios (testosterona, índice de androgénios livres – FAI) e aumentar a globulina de ligação a hormonas sexuais (SHBG).145 Em homens jovens, magros e fisicamente ativos, o JI (especificamente TRE) demonstrou consistentemente reduzir os níveis de testosterona total e livre, embora sem efeitos negativos aparentes na massa muscular em estudos de curto prazo.90 Os níveis de estrogénio, gonadotrofinas (LH, FSH) e prolactina parecem permanecer largamente inalterados em mulheres, com base nos dados limitados disponíveis.145 A complexidade destas respostas sublinha a necessidade de investigação específica por sexo e a consideração de potenciais riscos, como a redução de androgénios.
- Cortisol: Embora não detalhado especificamente nos materiais de pesquisa em relação aos efeitos do JI, as hormonas do stress como o cortisol são relevantes para a fisiologia do jejum e podem ser influenciadas por alterações nos padrões alimentares e no stress metabólico.146
Tabela 2: Resumo das Principais Alterações Hormonais Durante o Jejum Intermitente
Hormona | Alteração Típica com JI | Mecanismos/Implicações Chave | Snippets de Suporte |
Insulina | ? | Permite lipólise, melhora sensibilidade à insulina, central para benefícios metabólicos. | 10 |
Glucagon | ? | Contrarregula a insulina, promove libertação de glicose hepática (glicogenólise, gluconeogénese). | 51 |
Hormona do Crescimento (HGH) | ? (especialmente >20-24h jejum) | Independente da perda de peso; promove lipólise, poupa proteína/músculo; influencia IGF-1. | 45 |
IGF-1 | ? | Ligado à redução da ingestão proteica e sinalização Insulina/HGH; associado a vias de longevidade. | 12 |
Leptina | ? | Hormona da saciedade; diminui com jejum/perda de peso. | 12 |
Adiponectina | ? ou ? | Hormona sensibilizadora da insulina; resultados variáveis. | 10 |
Testosterona (Homens) | ? (em jovens magros/ativos); ? ou ? (em obesos com perda de peso) | Efeito complexo; redução em jovens ativos não parece afetar músculo a curto prazo. | 90 |
Testosterona/FAI (Mulheres) | ? (especialmente com obesidade/SOP, eTRE) | Pode ser benéfico para hiperandrogenismo. | 145 |
SHBG (Mulheres) | ? (especialmente com obesidade/SOP) | Aumento pode reduzir androgénios livres. | 145 |
Estrogénio (Mulheres) | ? | Geralmente inalterado. | 145 |
LH/FSH (Mulheres) | ? | Geralmente inalterado. | 145 |
Prolactina (Mulheres) | ? | Geralmente inalterada. | 145 |
- C. Renovação Celular: Autofagia e o seu Papel no JI
A autofagia, que significa literalmente “comer a si mesmo”, é um processo celular fundamental e conservado evolutivamente, responsável pela degradação e reciclagem de componentes celulares danificados ou desnecessários, como organelos disfuncionais e proteínas mal agregadas, através do sistema lisossomal.9 Funciona como um mecanismo essencial de “limpeza” e manutenção da homeostase celular.
A privação de nutrientes, como a que ocorre durante o jejum, é um dos principais gatilhos para a indução da autofagia.9 Acredita-se que os regimes de JI que induzem stress metabólico suficiente ativam este processo. A maquinaria molecular da autofagia é complexa e envolve múltiplos genes relacionados à autofagia (Atgs) que orquestram a formação de vesículas de dupla membrana chamadas autofagossomas.159 As principais vias de sinalização que regulam a autofagia em resposta ao jejum incluem:
- Ativação da AMPK: A baixa disponibilidade de energia (refletida numa razão AMP/ATP elevada) ativa a Proteína Quinase Ativada por AMP (AMPK), um sensor chave do estado energético celular.10
- Inibição do mTORC1: A AMPK ativada, juntamente com a redução da sinalização de nutrientes e fatores de crescimento (como insulina e IGF-1), inibe o complexo 1 do alvo da rapamicina em mamíferos (mTORC1). O mTORC1 é um importante regulador negativo da autofagia, promovendo o crescimento celular em condições de abundância de nutrientes.10 A sua inibição pelo jejum “liberta os travões” da autofagia.
- Ativação do Complexo ULK1: A inibição do mTORC1 permite a ativação do complexo iniciador da autofagia ULK1 (homólogo de Atg1 em leveduras), que fosforila outras proteínas Atg e dá início à formação do fagóforo (a estrutura precursora do autofagossoma).159
Os benefícios potenciais da autofagia induzida pelo JI incluem a remoção de agregados proteicos e organelos danificados (como mitocôndrias disfuncionais através da mitofagia), que se acumulam com o envelhecimento e estão implicados em doenças neurodegenerativas e cancro; o aumento da resistência celular ao stress; e o fornecimento de aminoácidos e outros blocos de construção para a célula durante períodos de escassez de nutrientes.9
No entanto, é importante notar que a autofagia excessiva ou desregulada pode ser prejudicial, podendo levar a um tipo de morte celular programada conhecido como morte celular autofágica tipo II.159 Além disso, embora a ativação da autofagia seja um mecanismo plausível e bem suportado por estudos pré-clínicos, a evidência direta que quantifica a sua contribuição específica para os resultados de saúde em humanos que praticam regimes típicos de JI (em oposição a jejuns prolongados ou restrição calórica severa) ainda está em desenvolvimento.105
- D. Modulação Genética e Epigenética: SIRT1, FOXO e Vias de Longevidade
O JI parece influenciar a expressão de genes e modificar epigeneticamente o genoma através da modulação de vias de sinalização chave associadas à longevidade e à resposta ao stress celular. Duas famílias de proteínas centrais neste contexto são as Sirtuínas e os fatores de transcrição FOXO.
- Sirtuínas (especialmente SIRT1 e SIRT3): Estas são uma classe de enzimas (desacetilases e ADP-ribosiltransferases) dependentes de NAD+ (Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo), um coenzima essencial no metabolismo energético.27 O jejum e a restrição calórica aumentam a disponibilidade de NAD+, ativando assim as sirtuínas.147 Elas funcionam como sensores metabólicos, ligando o estado nutricional a respostas celulares adaptativas.147
- SIRT1: Localizada principalmente no núcleo, a SIRT1 desacetila numerosas proteínas, incluindo histonas e fatores de transcrição, regulando o metabolismo, a resposta à insulina, a reparação do DNA, a inflamação e a resistência ao stress.27 A sua ativação pelo JI é considerada um mediador importante dos seus efeitos benéficos.148
- SIRT3: Atua predominantemente na mitocôndria, onde regula a função mitocondrial, o metabolismo energético e a defesa antioxidante, nomeadamente através da desacetilação da superóxido dismutase de manganês (MnSOD), reduzindo a produção de espécies reativas de oxigénio (ROS).147
- Fatores de Transcrição FOXO (Forkhead Box O) (especialmente FOXO1, FOXO3a): Esta família de fatores de transcrição desempenha um papel crucial na regulação da resposta ao stress, metabolismo, ciclo celular, reparação do DNA, autofagia e apoptose.10 Variantes do gene FOXO3 estão consistentemente associadas à longevidade humana em diversas populações.148
- Ativação pelo JI: O jejum ativa os FOXOs, em parte através da redução da sinalização da via insulina/IGF-1 (que normalmente fosforila e inativa os FOXOs, sequestrando-os no citoplasma) e potencialmente através da ativação da SIRT1, que pode desacetilar e ativar os FOXOs.10 Estudos experimentais demonstraram aumento da expressão de FOXO3 e SIRT1 no fígado de coelhos submetidos a JI 148 e aumento da expressão de FOXO3a em humanos após jejum periódico.157
- Efeitos a jusante: Uma vez ativados e translocados para o núcleo, os FOXOs regulam a transcrição de uma vasta gama de genes alvo envolvidos na gluconeogénese, defesa antioxidante (por exemplo, SOD, catalase), autofagia, reparação do DNA e paragem do ciclo celular.10 O FOXO3a também pode influenciar a manutenção dos telómeros através da regulação da transcriptase reversa da telomerase humana (hTERT).157
A modulação destas vias interconectadas (Insulina/IGF-1, SIRT1, FOXO, AMPK, mTOR) pelo JI fornece uma base molecular para os potenciais benefícios na saúde e longevidade observados em modelos animais.5 Embora a evidência de extensão da vida útil em humanos seja inexistente, a influência do JI nestas vias pode contribuir para a melhoria da saúde útil (healthspan) e para a redução do risco de doenças relacionadas com a idade, através da melhoria da saúde metabólica e do aumento da resistência ao stress celular.
- E. Impacto nas Vias de Stress Oxidativo e Inflamação
O stress oxidativo (um desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigénio – ROS – e a capacidade do corpo de as neutralizar) e a inflamação crónica de baixo grau são fatores subjacentes a muitas doenças crónicas, incluindo doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, neurodegeneração e cancro. O JI tem sido proposto como uma estratégia para mitigar ambos.
- Redução do Stress Oxidativo: Vários estudos sugerem que o JI pode diminuir o stress oxidativo.6 Os mecanismos propostos incluem:
- Aumento das Defesas Antioxidantes: Ativação de enzimas antioxidantes endógenas como a superóxido dismutase (SOD) e a catalase, potencialmente através da ativação de FOXO e SIRT3 147, e ativação da via Nrf2 (um fator de transcrição mestre da resposta antioxidante), possivelmente estimulada por corpos cetónicos.149
- Melhoria da Função Mitocondrial: O JI pode otimizar a função mitocondrial, tornando a produção de energia mais eficiente e reduzindo a “fuga” de eletrões que gera ROS.149
- Aumento da Autofagia: A remoção de mitocôndrias danificadas (mitofagia) e outras fontes celulares de ROS através da autofagia contribui para a redução do stress oxidativo geral.10
- Efeitos Anti-inflamatórios: O JI também pode suprimir a inflamação crónica.1 Os mecanismos envolvidos podem incluir:
- Ação dos Corpos Cetónicos: O BHB demonstrou inibir o inflamassoma NLRP3, um complexo proteico chave na resposta inflamatória, e suprimir a via de sinalização NF-?B, um regulador central da expressão de genes inflamatórios.73
- Modulação da Microbiota Intestinal: O JI pode alterar a composição da microbiota intestinal, favorecendo bactérias que produzem ácidos gordos de cadeia curta (SCFAs), como o butirato, que têm propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras.149
- Redução da Adiposidade: A perda de gordura corporal, particularmente a gordura visceral, diminui a produção de citocinas pró-inflamatórias (adipocinas) pelo tecido adiposo.10
- Evidência em Biomarcadores Humanos (PCR, IL-6, TNF-alfa): Apesar dos mecanismos plausíveis, a evidência de que o JI reduz consistentemente os marcadores inflamatórios sistémicos em humanos é mista e, por vezes, contraditória.
- Proteína C-Reativa (PCR): Algumas meta-análises indicam que o JI (especialmente ADF e intervenções mais longas ?8 semanas em indivíduos com sobrepeso/obesidade) pode reduzir os níveis de PCR.25 No entanto, outras revisões e ensaios clínicos randomizados (ECRs), particularmente focados em TRE, não encontraram efeitos significativos na PCR, mesmo com perda de peso.70 Algumas meta-análises sugerem que a REC pode ser mais eficaz na redução da PCR do que o JI 176, ou que não há diferença entre JI e dieta usual.177 Uma redução significativa da PCR parece estar mais associada a uma perda de peso substancial (>6%), como observado em alguns estudos de ADF 71, sugerindo que a perda de peso em si pode ser o principal motor da redução da PCR, em vez de um efeito anti-inflamatório único do JI.
- Interleucina-6 (IL-6) e Fator de Necrose Tumoral-alfa (TNF-alfa): A evidência para uma redução consistente destes marcadores pelo JI em humanos é geralmente mais fraca ou inexistente na maioria das revisões sistemáticas e meta-análises.25 Embora uma meta-análise tenha encontrado uma redução no TNF-alfa com JI 176, e alguns contextos específicos (como o jejum do Ramadão) possam mostrar reduções 25, não parece ser um efeito universal ou robusto de todos os protocolos de JI em diversas populações.
Esta discrepância entre os mecanismos plausíveis e os resultados inconsistentes em biomarcadores humanos sublinha a complexidade da resposta inflamatória e a necessidade de mais investigação para clarificar o papel específico do JI, independente da perda de peso, na modulação da inflamação sistémica.
III. Efeitos do Jejum Intermitente na Saúde Baseados em Evidências
A investigação sobre o jejum intermitente expandiu-se rapidamente, avaliando os seus efeitos numa vasta gama de resultados de saúde. Esta secção analisa criticamente a evidência científica atual, proveniente principalmente de ensaios clínicos randomizados (ECRs) e revisões sistemáticas/meta-análises, sobre o impacto do JI na gestão do peso, saúde metabólica, fatores de risco cardiovascular, função cognitiva e marcadores de envelhecimento.
- A. Gestão do Peso: Comparando JI e Restrição Energética Contínua (REC)
A perda de peso é uma das motivações mais comuns para a adoção do JI e um dos seus resultados mais consistentemente documentados.
- Eficácia na Perda de Peso: Numerosos estudos confirmam que diferentes formas de JI podem induzir perda de peso clinicamente significativa. Revisões sistemáticas e meta-análises de ECRs reportam perdas de peso que variam tipicamente entre 0.8% a 13% do peso corporal inicial, ao longo de períodos de intervenção que vão de 2 semanas a 1 ano.1 A perda de peso resulta primariamente da redução da ingestão calórica total, que ocorre espontaneamente devido aos períodos de jejum.6
- JI vs. REC: Uma questão central é se o JI oferece vantagens sobre a abordagem tradicional de REC. A maioria dos estudos comparativos diretos conclui que, quando o défice calórico global é equiparado entre os grupos, o JI produz uma perda de peso equivalente à REC.1 Portanto, o JI não parece ser inerentemente superior à REC em termos da magnitude da perda de peso.2 A sua principal vantagem pode residir no facto de ser uma abordagem alternativa que alguns indivíduos consideram mais fácil de seguir ou preferível à contagem diária de calorias 30, embora a adesão a longo prazo continue a ser um desafio.31
- Composição Corporal: A forma como o JI afeta a massa gorda versus a massa magra é uma área de investigação importante e com resultados por vezes contraditórios.
- Massa Gorda: O JI demonstra consistentemente eficácia na redução da massa gorda corporal.2 Algumas evidências sugerem que a perda de gordura pode ser maior com JI em comparação com dietas ad libitum, mas não necessariamente superior à REC quando o défice calórico é igualado.10
- Massa Magra (Massa Livre de Gordura): O impacto na massa magra é menos claro e constitui uma área de potencial preocupação. Alguns estudos e revisões sugerem que o JI pode levar a uma maior perda de massa magra em comparação com a REC.10 Outros estudos indicam perdas semelhantes 10, ausência de alterações significativas 81, ou até uma melhor preservação da massa magra com JI.4 O jejum em dias alternados (ADF), em particular, tem sido associado a uma maior redução da massa magra em algumas comparações.98 A perda excessiva de massa magra é indesejável, pois pode diminuir a taxa metabólica basal, afetar a força e a função física, e potencialmente contribuir para efeitos adversos a longo prazo, como o risco cardiovascular aumentado hipotetizado.62 Para mitigar a perda de massa magra durante o JI, recomenda-se a combinação com treino de resistência e a garantia de uma ingestão proteica adequada durante as janelas de alimentação.10
- Apetite: Contrariamente a algumas sugestões populares, meta-análises recentes indicam que o JI não parece atenuar o aumento do apetite (fome, desejo de comer) que frequentemente acompanha a perda de peso induzida pela restrição energética, em comparação com a REC.77 A fome pode ser um efeito colateral significativo, especialmente nas fases iniciais do JI, embora possa diminuir com a adaptação em alguns indivíduos.22
- Sustentabilidade e Recuperação de Peso: A adesão a longo prazo aos regimes de JI pode ser difícil, com taxas de abandono consideráveis reportadas em alguns estudos prolongados.31 Existe alguma evidência, embora limitada, que sugere que o JI pode estar associado a uma maior recuperação de peso após a cessação da intervenção, em comparação com a REC.10 A sustentabilidade a longo prazo do JI como estratégia de gestão de peso continua a ser uma área ativa de investigação.15
- B. Saúde Metabólica: Sensibilidade à Insulina, Controlo Glicémico e Gestão da Diabetes Tipo 2
A melhoria da saúde metabólica é outro benefício frequentemente associado ao JI, com foco particular na sensibilidade à insulina e no controlo da glicose.
- Sensibilidade à Insulina e Resistência: O JI demonstra consistentemente melhorar a sensibilidade à insulina e reduzir a resistência à insulina (avaliada, por exemplo, pelo índice HOMA-IR).3 Este efeito está frequentemente associado à perda de peso, mas alguns estudos, particularmente com TRE precoce (eTRE), sugerem que pode haver mecanismos independentes do peso.32 A redução dos níveis de insulina (discutida na Secção II.B) é um fator chave.
- Controlo Glicémico (Glicose Sanguínea, HbA1c): O impacto do JI no controlo glicémico global, medido pela glicose em jejum e pela hemoglobina glicada (HbA1c – um marcador do controlo glicémico a longo prazo), apresenta um quadro mais complexo, especialmente em indivíduos com diabetes tipo 2 (DT2).
- Pré-diabetes: O JI, particularmente o eTRE, mostrou melhorias nos níveis de glicose, por vezes mesmo sem perda de peso significativa.32 De um modo geral, o JI parece benéfico nesta população.1
- Diabetes Tipo 2 (DT2): A evidência é inconsistente. Vários estudos e algumas revisões sistemáticas reportam melhorias na glicose em jejum e/ou HbA1c com diferentes formas de JI.1 O jejum duas vezes por semana (similar ao 5:2) parece ser particularmente promissor em algumas análises.59 No entanto, outras meta-análises de ECRs concluíram que não há diferença estatisticamente significativa na HbA1c ou na glicose em jejum entre os grupos de JI e os grupos de controlo (dieta usual ou REC).58 Alguns estudos indicam que o JI é equivalente à REC em termos de controlo glicémico.15 Esta variabilidade nos resultados provavelmente reflete diferenças nos protocolos de JI utilizados, nas características dos participantes (duração da diabetes, controlo inicial, medicação), nos grupos de comparação e na qualidade metodológica dos estudos incluídos.
- Remissão da Diabetes: Um estudo específico utilizando uma intervenção de JI baseada na Terapia Nutricional Médica Chinesa (CMNT) reportou taxas notavelmente altas de remissão da DT2 (definida como HbA1c <6.5% sem medicação antidiabética por pelo menos um ano) após uma intervenção de 3 meses, mesmo em pacientes com maior duração da diabetes.107 Estes resultados são encorajadores mas necessitam urgentemente de validação em ensaios clínicos maiores e mais robustos antes de poderem ser generalizados.
- Riscos na Diabetes: A implementação do JI em pessoas com diabetes acarreta riscos significativos que exigem gestão cuidadosa. A hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue) é a principal preocupação, especialmente para aqueles que usam insulina ou secretagogos de insulina como as sulfonilureias.1 A monitorização frequente da glicose e o ajuste da medicação sob supervisão médica são absolutamente essenciais.1 Outros riscos incluem desidratação (especialmente se a ingestão de líquidos for inadequada durante o jejum) e potencial desnutrição se a janela alimentar for demasiado restrita ou a qualidade da dieta for pobre.10
- C. Implicações Cardiovasculares: Pressão Arterial, Lípidos, Marcadores Inflamatórios e Dados Emergentes de Mortalidade
Os efeitos do JI sobre a saúde cardiovascular são uma área de intenso interesse e debate, com evidências que vão desde melhorias em fatores de risco a preocupações emergentes sobre resultados a longo prazo.
- Pressão Arterial (PA): O JI está frequentemente associado a reduções na pressão arterial sistólica e diastólica.1 Estes efeitos são provavelmente mediados pela perda de peso, melhoria da função endotelial (a capacidade dos vasos sanguíneos de dilatar e contrair) e alterações hormonais (como a redução da insulina e potencialmente alterações no sistema renina-angiotensina-aldosterona).3 O eTRE, em particular, pode reduzir a PA mesmo na ausência de perda de peso significativa.32 No entanto, algumas meta-análises não encontraram diferenças significativas na PA em comparação com grupos de controlo.57
- Perfil Lipídico (Colesterol, Triglicerídeos): Os resultados sobre os lípidos sanguíneos são notavelmente variáveis entre os estudos.
- Colesterol LDL (“mau”): Alguns estudos e revisões mostram que o JI reduz o colesterol LDL.2 Contudo, outros reportam aumentos ou ausência de alterações significativas em comparação com controlos ou REC.2 Sugere-se que o efeito no LDL pode depender da qualidade nutricional da dieta durante as janelas de alimentação.151
- Colesterol HDL (“bom”): O JI pode aumentar o HDL em alguns estudos 3, mas muitas meta-análises concluem que as alterações são mínimas ou não significativas.7 Uma meta-análise específica em pacientes com DT2 encontrou um aumento do HDL com JI em comparação com REC.74
- Triglicerídeos (TG): A redução dos triglicerídeos é um achado mais consistente em muitos estudos de JI 2, embora algumas meta-análises não tenham encontrado diferenças significativas em relação aos controlos.57
- Marcadores Inflamatórios (PCR, IL-6, TNF-alfa): Conforme discutido na Secção II.E, a evidência de uma redução consistente destes marcadores em humanos é mista e pode depender do tipo de JI e da magnitude da perda de peso.1
- Mortalidade Cardiovascular: Uma área de preocupação significativa surgiu recentemente a partir de dados observacionais. Uma análise preliminar de dados do inquérito NHANES (National Health and Nutrition Examination Survey), apresentada na conferência da American Heart Association em 2024, sugeriu que a adesão a longo prazo a um horário de TRE com uma janela alimentar inferior a 8 horas por dia estava associada a um risco 91% maior de morte por doença cardiovascular, em comparação com uma janela alimentar de 12-16 horas.3 Este risco aumentado foi também observado em indivíduos com doença cardiovascular ou cancro pré-existentes.95 Outra análise observacional sugeriu que janelas alimentares mais longas (>11h) estavam associadas a menor mortalidade por DCV em pacientes com insuficiência cardíaca.62 Adicionalmente, a omissão do pequeno-almoço, uma consequência comum de muitos regimes de TRE, também foi associada a um risco aumentado de mortalidade por DCV noutros estudos observacionais.183
- Importância e Limitações: Estes dados representam uma mudança de paradigma potencial e levantam sérias questões sobre a segurança a longo prazo de regimes de TRE muito restritivos. Contrapõem diretamente os benefícios esperados com base nas melhorias de curto prazo nos fatores de risco. No entanto, é crucial sublinhar que estes dados são observacionais (mostrando associação, não causalidade), preliminares (ainda não publicados em revista com revisão por pares no momento da análise) e dependem de recordatório alimentar auto-reportado, que está sujeito a erros e vieses.95 Existem potenciais fatores de confusão não controlados (por exemplo, qualidade da dieta, estilo de vida geral das pessoas que escolhem janelas alimentares muito curtas). No entanto, estes achados não podem ser ignorados e exigem investigação urgente e rigorosa para confirmação e compreensão dos mecanismos subjacentes.
- Mecanismos Potenciais para Efeitos Adversos a Longo Prazo: As hipóteses para explicar esta associação inesperada incluem: (1) Maior perda de massa magra associada a certos regimes de JI, o que pode ter consequências metabólicas e cardiovasculares negativas a longo prazo 62; (2) Desalinhamento circadiano, se os padrões alimentares (especialmente comer tarde) entrarem em conflito com os relógios biológicos internos que regulam o metabolismo e a função cardiovascular 62; (3) Pior qualidade da dieta, se a restrição temporal levar a escolhas alimentares menos saudáveis ou a comportamentos alimentares compensatórios (“comer por recompensa”) durante a janela alimentar.62 Estudos em roedores que mostram remodelação cardíaca adversa com ADF a longo prazo apoiam a plausibilidade biológica de efeitos negativos.62
Esta tensão entre os benefícios metabólicos de curto prazo e os potenciais riscos cardiovasculares a longo prazo sublinha a complexidade do JI e a perigosidade de extrapolar resultados de biomarcadores de curto prazo para desfechos clínicos a longo prazo.
- D. Função Cognitiva e Saúde Cerebral: Panorama da Investigação Atual
O cérebro é um órgão metabolicamente muito ativo, e a forma como o JI influencia a sua função e saúde é uma área de investigação crescente.
- Mecanismos Potenciais de Ação Cerebral: Vários mecanismos fisiológicos induzidos pelo JI podem, teoricamente, beneficiar o cérebro:
- Comutação Metabólica: O fornecimento de corpos cetónicos como combustível alternativo e molécula de sinalização.9
- Neuroplasticidade: Aumento potencial de fatores neurotróficos como o Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF), que promove o crescimento, sobrevivência e plasticidade dos neurónios.50
- Redução do Stress Oxidativo e Inflamação: Proteção contra danos neuronais.42
- Melhoria da Regulação da Glicose: A homeostase da glicose é vital para a função cerebral.67
- Autofagia: Remoção de agregados proteicos e organelos danificados que se acumulam em doenças neurodegenerativas.42
- Estudos em Animais: A investigação pré-clínica é largamente promissora. Estudos em roedores mostram que o JI pode melhorar a memória (de trabalho, verbal, espacial), a aprendizagem e a resiliência cognitiva; proteger contra danos isquémicos (AVC); e atenuar características patológicas em modelos de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.4
- Estudos em Humanos: A translação destes achados para benefícios cognitivos consistentes em humanos tem sido mais difícil, e a evidência atual é limitada e, por vezes, contraditória.
- Função Cognitiva em Adultos Saudáveis: Revisões sistemáticas concluem que não há evidência clara de um efeito positivo consistente do JI a curto prazo na função cognitiva global em adultos saudáveis.19 Alguns estudos individuais reportaram melhorias em domínios específicos, como a memória verbal 4, mas outros não encontraram efeitos ou até notaram efeitos colaterais negativos como diminuição da concentração.30
- Função Cognitiva em Idosos: A evidência é escassa, mas alguns estudos sugerem que o TRE ou o JI podem ter um impacto positivo na função cognitiva e na saúde mental em idosos, possivelmente através da melhoria do metabolismo da glicose, redução da inflamação/stress oxidativo e aumento da neuroplasticidade.68 São necessários mais estudos nesta população vulnerável.
- Doenças Neurológicas: Existem algumas evidências clínicas que sugerem benefícios do JI (ou dietas cetogénicas, que mimetizam alguns aspetos metabólicos do jejum) no controlo de crises epilépticas.9 Evidências preliminares de estudos em humanos e animais sugerem potenciais benefícios na atenuação dos sintomas ou progressão da doença de Alzheimer e da Esclerose Múltipla.19 Dados de modelos animais indicam potencial para a doença de Parkinson, recuperação de AVC, perturbações do espectro do autismo e perturbações de humor e ansiedade, mas faltam estudos clínicos robustos.19
- BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro): Embora o JI seja frequentemente proposto como um indutor de BDNF 66, uma revisão sistemática recente encontrou resultados inconsistentes nos níveis de BDNF em humanos após intervenções de JI. Alguns estudos mostraram aumentos, outros diminuições e outros nenhuma alteração significativa.174 Isto sugere que a relação entre JI, BDNF e cognição em humanos é mais complexa do que inicialmente proposto e requer mais investigação.
A lacuna entre os dados promissores em animais e os resultados menos conclusivos em humanos para a função cognitiva é um tema recorrente na investigação nutricional e neurológica, destacando os desafios da translação de modelos pré-clínicos.
- E. Marcadores de Envelhecimento e Longevidade: Perspetivas de Estudos em Humanos e Animais
A capacidade da restrição dietética de modular o processo de envelhecimento e prolongar a vida útil tem sido extensivamente demonstrada em organismos modelo, levantando a questão de saber se o JI pode ter efeitos semelhantes em humanos.
- Extensão da Vida Útil em Animais: A restrição calórica (RC) é a intervenção não genética mais robusta conhecida por prolongar a vida útil numa vasta gama de espécies, desde leveduras a primatas.2 Os regimes de JI também demonstraram prolongar a vida útil em modelos animais, embora a magnitude do efeito possa ser variável dependendo do protocolo específico, sexo, dieta e fatores genéticos.5
- Longevidade Humana: Atualmente, não existe evidência direta de que o JI prolongue a vida útil máxima em humanos.6 O foco da investigação em humanos está na capacidade do JI de melhorar a saúde útil (healthspan) – o período de vida vivido com boa saúde e livre de doenças crónicas – e de reduzir o risco de doenças relacionadas com a idade.
- Mecanismos e Marcadores de Envelhecimento: Como discutido na Secção II.D, o JI influencia vias de sinalização conservadas que estão intimamente ligadas ao processo de envelhecimento (Insulina/IGF-1, AMPK, mTOR, Sirtuínas, FOXO).5 Acredita-se que a modulação destas vias pelo JI contribui para os seus efeitos protetores, promovendo a resistência ao stress celular, a reparação de danos (por exemplo, através da autofagia) e a redução da inflamação e do stress oxidativo, todos eles fatores implicados no processo de envelhecimento.6
- Estudos em Humanos sobre Marcadores de Envelhecimento: A investigação em humanos tem-se concentrado em marcadores substitutos associados ao envelhecimento e à saúde útil:
- Expressão Génica (FOXO3a, SIRT1): Estudos limitados sugerem que o JI ou o jejum periódico podem aumentar a expressão destes genes associados à longevidade em humanos ou modelos animais relevantes.148
- hTERT (Telomerase): Um estudo encontrou um aumento na expressão de hTERT (a subunidade catalítica da telomerase, envolvida na manutenção do comprimento dos telómeros) em homens jovens com sobrepeso/obesidade após jejum periódico, sugerindo um potencial impacto na senescência celular.157 São necessários mais estudos para confirmar este achado e a sua relevância clínica.
- Marcadores Metabólicos e Cardiovasculares: As melhorias na sensibilidade à insulina, controlo glicémico, pressão arterial e, em alguns casos, perfil lipídico (discutidas anteriormente) são consideradas benéficas para reduzir o risco de doenças crónicas relacionadas com a idade e, portanto, relevantes para a saúde útil.55
- SIRT3: Um estudo em humanos com um regime de JI modificado detetou um aumento marginal na expressão de SIRT3.97
Em suma, embora o JI module vias biológicas associadas ao envelhecimento e prolongue a vida útil em modelos animais, a sua capacidade de estender a longevidade humana permanece por provar. No entanto, pode oferecer benefícios para a saúde útil, melhorando marcadores metabólicos e de stress celular associados ao risco de doenças crónicas relacionadas com a idade.
Tabela 3: Visão Geral dos Efeitos do JI nos Principais Resultados de Saúde
Resultado de Saúde | Efeito Típico vs. Controlo/REC | Certeza da Evidência (Baseada em Revisões) | Snippets de Suporte Chave |
Perda de Peso | ? (Equivalente a REC com défice calórico igualado) | Alta | 1 |
Massa Gorda | ? | Alta | 2 |
Massa Magra | ? ou ? (Misto/Preocupante) | Baixa a Moderada | 4 |
Sensibilidade à Insulina / HOMA-IR | ? / ? | Moderada a Alta | 3 |
Glicose em Jejum | ? ou ? (Misto, esp. em DT2) | Baixa a Moderada | 1 |
HbA1c (em DT2) | ? ou ? (Misto/Inconsistente) | Baixa a Moderada | 10 |
Pressão Arterial | ? | Moderada | 1 |
Colesterol LDL | ? ou ? ou ? (Misto/Variável) | Baixa | 2 |
Colesterol HDL | ? ou ? (Geralmente ?) | Baixa a Moderada | 3 |
Triglicerídeos | ? | Moderada | 2 |
PCR | ? ou ? (Misto, depende do tipo de JI e perda de peso) | Baixa a Moderada | 25 |
IL-6 | ? (Geralmente sem efeito) | Baixa | 25 |
TNF-alfa | ? ou ? (Misto/Inconsistente) | Baixa | 25 |
Função Cognitiva (Humanos) | ? (Geralmente sem efeito claro em saudáveis) | Baixa | 4 |
Mortalidade CV (Observacional) | ? Risco com TRE <8h (Preliminar/Observacional) | Muito Baixa (Preocupante) | 3 |
IV. Implementação Prática e Perfil de Segurança
A transição para um regime de jejum intermitente requer consideração cuidadosa da segurança individual, preparação adequada e estratégias para gerir potenciais efeitos colaterais e manter a adesão.
- A. Iniciar o Jejum Intermitente com Segurança: Preparação e Seleção do Protocolo
A segurança deve ser a principal prioridade ao considerar o JI.
- Consulta Médica Prévia: Antes de iniciar qualquer forma de JI, é fundamental consultar um profissional de saúde (médico, nutricionista registado).1 Esta etapa é especialmente crítica para indivíduos com condições médicas pré-existentes (como diabetes, doenças cardíacas, renais, hepáticas), história de distúrbios alimentares, ou que estejam a tomar medicamentos (particularmente aqueles que necessitam ser tomados com alimentos ou que afetam a glicose ou pressão arterial).1 A consulta permite avaliar a adequação do JI, discutir potenciais riscos e benefícios, e planear ajustes necessários na medicação ou monitorização.
- Início Gradual: Evitar começar abruptamente com longos períodos de jejum, especialmente se o padrão alimentar habitual envolver refeições e snacks frequentes.136 Uma abordagem gradual, como reduzir gradualmente a ingestão de açúcar e alimentos processados nos dias anteriores 136, ou começar com janelas de jejum mais curtas (por exemplo, 12 horas) e aumentá-las progressivamente (para 14 ou 16 horas) conforme a tolerância 84, pode facilitar a adaptação do corpo e minimizar efeitos colaterais iniciais.
- Seleção do Protocolo: A escolha do protocolo de JI (TRE, ADF, 5:2, etc.) deve ser individualizada, considerando o estilo de vida, rotina diária, preferências pessoais, objetivos de saúde e tolerância.1 Não existe um protocolo universalmente “melhor”. O TRE (especialmente 14/10 ou 16/8) é frequentemente considerado um ponto de partida mais acessível para iniciantes.20 É importante definir expectativas realistas; por exemplo, um TRE tardio pode conflituar com jantares familiares, enquanto um eTRE pode exigir a omissão do pequeno-almoço social.1 A flexibilidade dentro do protocolo escolhido também pode ser importante para a adesão a longo prazo.86
- B. A Importância da Qualidade da Dieta Durante as Janelas de Alimentação
Um equívoco comum sobre o JI é que ele permite comer “qualquer coisa” durante a janela alimentar. No entanto, a qualidade nutricional da dieta continua a ser fundamental para alcançar benefícios para a saúde e evitar deficiências nutricionais.1
- Foco em Alimentos Densos em Nutrientes: Durante os períodos de alimentação, deve-se priorizar uma dieta equilibrada e rica em alimentos integrais e minimamente processados. Isto inclui uma variedade de frutas, vegetais (especialmente folhosos e crucíferos), grãos integrais (aveia, quinoa, arroz integral), fontes de proteína magra (peixe, aves, ovos, leguminosas, tofu) e gorduras saudáveis (azeite, abacate, nozes, sementes).5
- Proteína e Fibra para Saciedade: A ingestão adequada de proteína e fibra durante a janela alimentar é crucial para promover a saciedade, o que pode ajudar a gerir a fome durante os períodos de jejum e a manter a massa muscular.23 Alimentos como ovos, iogurte grego, peixe, leguminosas, abacate e vegetais crucíferos são boas opções.178
- Evitar Alimentos Ultraprocessados e Açúcares Adicionados: O consumo excessivo de alimentos altamente processados, ricos em açúcares adicionados, gorduras refinadas e calorias vazias pode anular os potenciais benefícios do JI e dificultar a gestão do peso e da saúde metabólica.5
- Risco de Desnutrição: Janelas alimentares muito curtas ou dietas de jejum muito restritivas (consistentemente <1200 kcal/dia a longo prazo, ou jejuns prolongados sem supervisão) podem dificultar a obtenção de todas as vitaminas e minerais essenciais, aumentando o risco de desnutrição.7 A suplementação pode ser necessária em alguns casos, mas deve ser discutida com um profissional de saúde.
- C. Gestão de Efeitos Colaterais Comuns e Manutenção da Adesão
Embora muitas pessoas tolerem bem o JI, especialmente após um período de adaptação, podem ocorrer efeitos colaterais, particularmente no início. A gestão destes efeitos e a implementação de estratégias de adesão são importantes para a sustentabilidade.
- Efeitos Colaterais Comuns: Os efeitos colaterais mais frequentemente reportados incluem fome, dores de cabeça, fadiga ou letargia, irritabilidade ou alterações de humor, dificuldade de concentração, tonturas e, por vezes, náuseas, obstipação ou problemas de sono.1 A maioria destes sintomas tende a ser ligeira a moderada e a diminuir ou desaparecer dentro de algumas semanas a um mês, à medida que o corpo se adapta.30 Meta-análises recentes sugerem que, em geral, o JI não está associado a um risco significativamente maior de eventos adversos comuns (fadiga, dor de cabeça) ou taxas de abandono em comparação com dietas de controlo em adultos com sobrepeso ou obesidade.75 No entanto, um risco numericamente maior de tonturas foi observado em alguns subgrupos.75
- Estratégias de Gestão:
- Hidratação Adequada: Beber bastante água e outras bebidas sem calorias (chá, café preto sem açúcar) durante todo o dia, incluindo nos períodos de jejum, é crucial para prevenir a desidratação, que pode contribuir para dores de cabeça e fadiga.20
- Gestão da Fome: Planear refeições nutritivas e saciantes durante a janela alimentar.185 Utilizar distrações durante os períodos de jejum.94 Técnicas de mindfulness ou relaxamento podem ajudar a lidar com a sensação de fome.92 Se a fome for disruptiva, ajustar o protocolo (janela de jejum mais curta, jejum modificado em vez de zero calorias) pode ser necessário.104
- Eletrólitos: Em alguns casos, especialmente com jejuns mais longos ou em climas quentes, a suplementação com eletrólitos (sódio, potássio, magnésio) pode ajudar a mitigar efeitos como tonturas, fadiga ou cãibras.20 Consultar um profissional de saúde.
- Qualidade do Sono: Manter uma boa higiene do sono. Embora alguns relatem melhorias no sono com JI, outros podem experienciar dificuldades iniciais, possivelmente devido a alterações no ritmo circadiano ou fome.86
- Cafeína: Dores de cabeça podem ser desencadeadas pela privação de cafeína em consumidores habituais. A redução gradual da cafeína antes de iniciar o jejum ou o consumo de café preto durante o jejum (se permitido pelo protocolo) pode ajudar.104
- Estratégias de Adesão: Manter a adesão a longo prazo é fundamental para colher os benefícios do JI.
- Rotina e Consistência: Manter horários de jejum e alimentação consistentes, tanto quanto possível, ajuda o corpo a adaptar-se.20
- Definição de Metas Realistas e Flexibilidade: Estabelecer expectativas alcançáveis e permitir alguma flexibilidade ocasional (por exemplo, para eventos sociais) pode prevenir a sensação de privação extrema e melhorar a adesão a longo prazo.86 Uma abordagem “tudo ou nada” pode ser contraproducente.180
- Auto-monitorização: Registar os horários das refeições (por exemplo, numa aplicação ou diário) pode aumentar a consciência dos padrões alimentares, a responsabilidade e ajudar a identificar desafios.180
- Apoio Social e Profissional: O apoio de familiares, amigos ou grupos, bem como o acompanhamento contínuo por profissionais de saúde, podem melhorar significativamente a adesão.86
- Planeamento de Refeições: Preparar refeições e lanches saudáveis com antecedência para a janela alimentar pode ajudar a evitar escolhas impulsivas e menos nutritivas quando a fome surge.85
Tabela 4: Efeitos Colaterais Comuns do Jejum Intermitente e Estratégias de Gestão
Efeito Colateral | Descrição/Frequência | Estratégias de Gestão | Snippets Relevantes |
Fome | Muito comum, especialmente no início; tende a diminuir com a adaptação. | Refeições saciantes (proteína/fibra) na janela alimentar; hidratação; distrações; ajustar protocolo se necessário. | 22 |
Dor de Cabeça | Comum, especialmente >16h de jejum ou com privação de cafeína; geralmente ligeira a moderada. | Hidratação adequada; gestão da cafeína; analgésicos (se necessário e apropriado); verificar se há desidratação. | 1 |
Fadiga/Letargia | Comum no início; pode estar ligada à adaptação metabólica ou desidratação. | Hidratação; sono adequado; eletrólitos (se indicado); ajuste gradual ao jejum; evitar exercício intenso nos dias de jejum. | 1 |
Tonturas/Vertigens | Pode ocorrer, especialmente ao levantar-se rapidamente; ligada a PA baixa ou desidratação/eletrólitos. Risco ligeiramente maior em algumas meta-análises. | Hidratação; eletrólitos; levantar-se devagar; monitorizar PA; consultar médico se persistente. | 1 |
Irritabilidade/Alterações de Humor | Comum no início, muitas vezes associada à fome (“hangry”) ou baixo açúcar no sangue. | Gestão da fome; manter glicemia estável (comida nutritiva na janela); sono adequado; técnicas de gestão de stress. | 1 |
Obstipação | Pode ocorrer devido a alterações na ingestão de alimentos/líquidos ou na motilidade intestinal. | Ingestão adequada de fibras e líquidos durante a janela alimentar; atividade física regular. | 1 |
Problemas de Sono | Alguns relatam insónia ou sono interrompido no início; outros relatam melhoria. | Boa higiene do sono; evitar cafeína tarde; consistência nos horários; pode melhorar com a adaptação. | 22 |
Desidratação | Risco aumentado se a ingestão de líquidos for insuficiente, especialmente em jejuns mais longos ou secos (a evitar). | Beber água e bebidas sem calorias abundantemente durante os períodos de jejum e alimentação. | 10 |
- D. Considerações sobre Exercício Físico Durante o Jejum Intermitente
A combinação de JI e exercício físico é frequentemente procurada para otimizar a perda de gordura e a saúde metabólica, mas requer planeamento cuidadoso.
- Exercício em Estado de Jejum: Treinar em jejum (por exemplo, de manhã antes da primeira refeição num protocolo TRE) pode aumentar a lipólise (quebra de gordura) no tecido adiposo e a oxidação de gorduras periféricas durante o exercício.27 A ideia é que isto possa levar a uma maior utilização de gordura como combustível e, potencialmente, a adaptações que melhorem a resistência a longo prazo.
- Impacto no Desempenho: A evidência sobre se o treino em jejum melhora o desempenho de resistência a longo prazo através do aumento da oxidação de gorduras é limitada e conflituosa.100 Exercícios de alta intensidade realizados em jejum podem ser prejudicados devido à menor disponibilidade de glicogénio.100 Recomenda-se frequentemente evitar treinos de alta intensidade durante o jejum.100 Exercícios de intensidade baixa a moderada podem ser mais exequíveis.
- Combinação de JI e Exercício para Composição Corporal: A combinação de JI (como ADF) com exercício (especialmente treino de resistência) parece ser mais eficaz para a perda de gordura e preservação da massa magra do que qualquer uma das intervenções isoladamente.12 Uma ingestão adequada de proteínas é crucial para apoiar a recuperação e manutenção muscular.27
- Timing do Exercício e Nutrição: O timing do exercício em relação à janela alimentar pode ser importante.
- Para Desempenho/Resistência: Consumir hidratos de carbono adequados durante a janela alimentar para repor o glicogénio é importante para treinos subsequentes.
- Para Hipertrofia/Força: Consumir proteína adequada (?1.6 g/kg de peso corporal por dia), distribuída ao longo da janela alimentar, é essencial. Para otimizar a síntese proteica muscular, pode ser benéfico consumir proteína perto do treino e, potencialmente, uma dose antes de dormir, o que pode conflituar com regimes eTRE.27
- Recomendação Geral: Tentar agendar o exercício de forma a que a refeição pré ou pós-treino ocorra dentro da janela alimentar para otimizar o combustível e a recuperação.92
- Segurança: Atletas, especialmente aqueles envolvidos em treinos intensos ou desportos de endurance, podem achar difícil conciliar o JI com as suas necessidades energéticas e de recuperação.30 A hidratação e a reposição de eletrólitos são particularmente importantes.
V. Populações Específicas e Contraindicações
Embora o JI possa ser seguro e benéfico para muitos adultos saudáveis, existem populações para as quais é contraindicado ou requer precauções rigorosas e supervisão médica. A estratificação do risco é crucial.
- A. Contraindicações Absolutas ou de Alto Risco
Certos grupos não devem praticar JI ou devem fazê-lo apenas sob circunstâncias muito específicas e com acompanhamento médico intensivo:
- História de Distúrbios Alimentares: Indivíduos com história de anorexia nervosa, bulimia nervosa ou outros padrões alimentares restritivos ou de compulsão alimentar estão em alto risco. O JI pode exacerbar ou desencadear comportamentos alimentares desordenados, fixação em comida e ciclos de restrição-compulsão.1 A avaliação do risco de distúrbios alimentares antes de recomendar JI é essencial.130
- Gravidez e Amamentação: O JI não é recomendado durante a gravidez e amamentação devido às elevadas necessidades nutricionais e energéticas para suportar o crescimento fetal e a produção de leite. A restrição calórica ou de nutrientes pode ser prejudicial para a mãe e para o bebé.1
- Diabetes Mellitus Tipo 1 (DM1): Geralmente considerado de alto risco devido à dependência de insulina exógena e ao risco elevado de hipoglicemia e cetoacidose diabética (CAD) durante os períodos de jejum.86 Embora estudos muito pequenos e controlados sugiram que pode ser possível com monitorização intensiva e ajustes de insulina 86, não é uma prática recomendada rotineiramente.
- Menores de 18 Anos: O JI não é recomendado para crianças e adolescentes devido às suas necessidades energéticas e nutricionais para crescimento e desenvolvimento.30 Pode interferir negativamente na puberdade e no crescimento.145
- Indivíduos Subnutridos ou com Baixo Peso: O JI pode agravar a subnutrição e levar a uma maior perda de peso indesejada.
- Certas Doenças Metabólicas Raras: Doenças que afetam a gluconeogénese ou o metabolismo das gorduras podem tornar o jejum perigoso.135
- B. Grupos de Risco Elevado que Requerem Supervisão Médica
Nestes grupos, o JI pode ser considerado, mas apenas com avaliação cuidadosa, planeamento individualizado e acompanhamento médico próximo:
- Diabetes Mellitus Tipo 2 (DM2): Especialmente aqueles em tratamento com insulina ou secretagogos de insulina (sulfonilureias, glinidas), devido ao alto risco de hipoglicemia.1 É necessário um plano claro para ajuste de medicação e monitorização frequente da glicose.80 Pacientes com controlo glicémico instável ou história de hipoglicemia severa ou desconhecimento da hipoglicemia requerem extrema cautela.132
- Idosos (>65-70 anos): Podem ter maior risco de desnutrição, sarcopenia (perda de massa muscular), perda óssea e quedas.1 A avaliação do estado nutricional e da fragilidade é importante.127 Dietas restritivas devem ser evitadas se houver risco de desnutrição.127
- Indivíduos a Tomar Certos Medicamentos: Medicamentos que devem ser tomados com alimentos, ou aqueles cujos níveis sanguíneos podem ser afetados por alterações na alimentação ou hidratação (por exemplo, varfarina, alguns anti-hipertensores, lítio) requerem avaliação médica.2
- Indivíduos com Risco de Perda Óssea ou Osteoporose: A restrição calórica e a perda de peso podem ter efeitos negativos na densidade mineral óssea (DMO).10 Embora alguns estudos de JI (especialmente TRE e ADF de curta duração) não tenham mostrado efeitos adversos significativos na DMO total 10, os dados são limitados, especialmente a longo prazo e em locais específicos do esqueleto (como anca ou coluna lombar). A omissão do pequeno-almoço (comum no TRE) foi associada a menor DMO em estudos observacionais.81 A ingestão adequada de cálcio, vitamina D e proteína, juntamente com exercício de força, é importante para a saúde óssea durante qualquer regime de perda de peso.10
- Doença Renal Crónica ou Hepática: O jejum pode afetar o equilíbrio de fluidos e eletrólitos e o metabolismo de medicamentos, exigindo cautela.
- Hipotensão ou Tonturas: O JI pode exacerbar estes sintomas.3
- C. Atletas e Indivíduos Fisicamente Ativos
Conforme discutido na Secção IV.D, atletas, especialmente aqueles em treino de alta intensidade ou endurance, podem enfrentar desafios com o JI para garantir combustível adequado, recuperação e ingestão de nutrientes.27 O planeamento cuidadoso do timing da nutrição em relação ao treino é essencial.
A mensagem subjacente é que a decisão de praticar JI deve ser altamente individualizada, com uma avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios potenciais, idealmente com orientação profissional.
VI. Considerações Holísticas e Interconexões
Os efeitos do jejum intermitente estendem-se para além do metabolismo energético e da composição corporal, interligando-se com outros sistemas fisiológicos e comportamentais, como os ritmos circadianos, a saúde intestinal, o sono e o bem-estar psicológico.
- A. Ritmos Circadianos e Timing da Alimentação
O corpo humano possui um relógio biológico interno, ou ritmo circadiano, que regula ciclos de aproximadamente 24 horas em diversas funções fisiológicas, incluindo metabolismo, secreção hormonal e padrões de sono-vigília.25 A hora das refeições funciona como um importante sincronizador (“zeitgeber”) para os relógios periféricos nos órgãos metabólicos.
- Alinhamento vs. Desalinhamento: Comer em alinhamento com o ritmo circadiano natural (ou seja, principalmente durante o dia) e prolongar o jejum noturno pode otimizar a saúde metabólica.50 Por outro lado, comer tarde da noite ou em horários irregulares pode perturbar a sincronia circadiana, contribuindo para a resistência à insulina, obesidade e risco cardiovascular aumentado.84
- Implicações para TRE: Isto sugere que o timing da janela alimentar no TRE pode ser tão importante quanto a sua duração. O TRE Precoce (eTRE), que concentra a alimentação no início do dia, alinha-se melhor com os ritmos circadianos da sensibilidade à insulina e do metabolismo da glicose, o que pode explicar alguns dos seus benefícios metabólicos potencialmente independentes do peso.1 Em contraste, o TRE tardio (comer mais tarde no dia) pode ser menos benéfico ou até prejudicial para alguns marcadores metabólicos.93 O desalinhamento circadiano é uma das hipóteses para os potenciais efeitos cardiovasculares adversos a longo prazo de certos padrões de JI.62
- B. Interação com a Microbiota Intestinal
A comunidade de microrganismos que reside no intestino (microbiota intestinal) desempenha um papel crucial na digestão, imunidade e metabolismo do hospedeiro. O JI parece influenciar a composição e a função da microbiota intestinal.28
- Modulação pelo Jejum: Períodos de jejum podem alterar a disponibilidade de substratos para as bactérias intestinais, potencialmente levando a mudanças na diversidade e abundância de certas espécies bacterianas.73
- Produção de Metabólitos: Estas alterações podem influenciar a produção de metabólitos bacterianos, como os ácidos gordos de cadeia curta (SCFAs – butirato, propionato, acetato), que têm efeitos locais e sistémicos, incluindo a modulação da inflamação, a melhoria da função da barreira intestinal e a influência no metabolismo energético e na sensibilidade à insulina.149
- Eixo Intestino-Cérebro: A microbiota intestinal comunica com o cérebro através do eixo intestino-cérebro, influenciando o humor, o comportamento e potencialmente a função cognitiva. As alterações na microbiota induzidas pelo JI podem, assim, ter implicações para a saúde cerebral.19
- C. Relação com o Sono
O sono e o metabolismo estão intimamente ligados, e o JI pode afetar os padrões de sono, embora a evidência seja mista.
- Impacto Potencial: Alguns indivíduos relatam dificuldades de sono (insónia) ao iniciar o JI, possivelmente devido a alterações nos horários das refeições que perturbam o ritmo circadiano ou devido à fome.22 No entanto, outros estudos ou revisões sugerem que o JI pode não ter efeitos negativos gerais no sono ou pode até melhorar a qualidade do sono a longo prazo, possivelmente através da melhoria da saúde metabólica ou da redução da alimentação noturna.52
- Importância do Sono: O sono inadequado, por sua vez, pode afetar negativamente o metabolismo, aumentar a resistência à insulina e influenciar as hormonas reguladoras do apetite, potencialmente dificultando os objetivos do JI.93
- D. Aspetos Psicológicos e Comportamentais
O JI não é apenas uma intervenção fisiológica, mas também comportamental, com implicações psicológicas.
- Humor e Bem-Estar: Os efeitos no humor são variáveis. Inicialmente, podem ocorrer irritabilidade e alterações de humor.1 No entanto, alguns indivíduos relatam melhorias no humor geral, diminuição da raiva, aumento da sensação de realização e melhoria da auto-estima com a prática continuada do JI.57
- Stress: O jejum em si é um stressor metabólico. Respostas adaptativas a este stress podem aumentar a resiliência celular.6 No entanto, o stress psicológico associado à restrição ou à gestão dos efeitos colaterais pode ser uma barreira para alguns.
- Comportamento Alimentar: Como mencionado, existe o risco de o JI desencadear ou exacerbar comportamentos alimentares desordenados em indivíduos susceptíveis.1 A restrição pode levar a uma maior preocupação com a comida ou a episódios de sobrealimentação durante a janela alimentar.2 A simplicidade percebida de alguns protocolos de JI (foco no tempo, não nas calorias) pode ser um facilitador para alguns 21, mas a rigidez pode ser uma barreira para outros.
Estas considerações holísticas destacam que o JI interage com múltiplos sistemas e comportamentos. O alinhamento com os ritmos circadianos, a atenção à saúde intestinal, a garantia de sono adequado e a gestão dos aspetos psicológicos são fatores importantes para otimizar os resultados e a sustentabilidade do JI.
VII. Jejum Religioso vs. Jejum Intermitente Terapêutico
O jejum intermitente moderno, focado em objetivos de saúde e bem-estar, partilha o conceito fundamental de abstinência periódica de alimentos com práticas de jejum religioso profundamente enraizadas em muitas tradições espirituais em todo o mundo. No entanto, existem diferenças cruciais nos propósitos, métodos e, por vezes, nos efeitos fisiológicos.
- A. Práticas de Jejum nas Principais Religiões Mundiais
O jejum é um elemento comum em muitas religiões, frequentemente associado a purificação espiritual, penitência, disciplina, devoção, empatia pelos menos afortunados e aproximação ao divino.2
- Islam (Ramadão): O jejum do Ramadão é um dos pilares do Islão, observado por milhões de muçulmanos em todo o mundo durante um mês lunar anualmente. Envolve a abstinência completa de comida, bebida (incluindo água), tabaco e relações sexuais desde o amanhecer até ao pôr do sol.35 A duração diária do jejum varia significativamente dependendo da localização geográfica e da estação do ano (podendo ir de ~12 a 18+ horas).37 As refeições são consumidas antes do amanhecer (Suhur) e após o pôr do sol (Iftar).
- Cristianismo (Quaresma, outros): A Quaresma (Lent) é um período de 40 dias de preparação para a Páscoa, tradicionalmente envolvendo jejum e penitência.36 As práticas variam muito: algumas tradições (como a Ortodoxa Grega) envolvem restrição de carne, laticínios, ovos, peixe, azeite e álcool em muitos dias (~180-200 dias/ano), enquanto outras podem envolver abstinência de carne às sextas-feiras ou renúncia a certos alimentos ou luxos.36 O jejum está frequentemente ligado ao arrependimento e à oração.36
- Judaísmo (Yom Kippur, outros): O Yom Kippur (Dia da Expiação) é o dia mais sagrado, envolvendo um jejum completo de ~25 horas (sem comida nem bebida) com o propósito de aflição da alma e expiação.35 Existem outros dias de jejum menores no calendário judaico. A lei judaica isenta do jejum aqueles cuja saúde estaria em risco.134
- Hinduísmo: O jejum (Upavasa ou Vrat) é uma prática comum, realizada para purificação, devoção a divindades específicas, cumprimento de votos ou durante festivais.37 Os métodos variam enormemente, desde jejum completo (Nirjala Upvas) a abstinência de certos alimentos (grãos, carne) ou limitação a uma refeição por dia ou a alimentos específicos (frutas, leite – Phalahar/Satvik).43 Dias específicos da semana ou do mês lunar (como Ekadashi) são frequentemente dedicados ao jejum.43
- Budismo: A atitude em relação ao jejum varia. O Buda praticou jejum extremo antes da sua iluminação, mas abandonou-o por não conduzir à libertação.47 No entanto, recomendou aos monges que não comessem após o meio-dia por razões de saúde, o que se assemelha a uma forma de TRE.47 Algumas tradições monásticas praticam comer apenas uma refeição por dia (antes do meio-dia).47 O jejum (muitas vezes significando vegetarianismo ou restrição de certos alimentos) é também praticado por leigos em dias específicos (dias de Uposatha) como forma de disciplina e purificação.48 Em algumas seitas (Tendai, Shingon, Seon), jejuns mais longos são usados como parte do treino ascético.47 O objetivo principal é geralmente a disciplina mental, o desapego e a clareza.47
- B. Comparação Fisiológica e de Resultados de Saúde
Embora partilhem o princípio da restrição alimentar periódica, existem diferenças importantes entre o jejum religioso e o JI terapêutico:
- Propósito: O jejum religioso é primariamente motivado por razões espirituais, de devoção ou culturais, enquanto o JI moderno é geralmente adotado com objetivos de saúde, como perda de peso ou melhoria metabólica.2
- Hidratação: Muitos protocolos de JI terapêutico permitem a ingestão de água e bebidas sem calorias durante o jejum.20 Em contraste, alguns jejuns religiosos, como o do Ramadão e o Yom Kippur, proíbem a ingestão de líquidos durante o período de jejum, o que introduz o risco significativo de desidratação.30
- Composição da Dieta: O JI terapêutico geralmente não especifica o que comer, apenas quando (embora a qualidade da dieta seja recomendada para melhores resultados).4 Muitos jejuns religiosos envolvem restrições alimentares específicas (por exemplo, abstinência de carne e laticínios na Quaresma Ortodoxa, dietas vegetarianas no Hinduísmo/Budismo).36 Durante o Ramadão, embora o jejum seja diurno, as refeições noturnas podem variar muito culturalmente e por vezes incluir alimentos ricos em calorias ou açúcares.37
- Duração e Frequência: Os protocolos de JI terapêutico são variados (ver Tabela 1) mas geralmente seguem um padrão regular (diário, semanal). Os jejuns religiosos têm durações e frequências ditadas pelo calendário religioso, que podem ser muito variáveis (desde jejuns diários por um mês, a jejuns semanais, anuais ou mais esporádicos).
- Efeitos Fisiológicos e de Saúde: Existe uma sobreposição nos mecanismos fisiológicos ativados (por exemplo, comutação metabólica, alterações hormonais, autofagia), especialmente em jejuns mais longos. Estudos sobre jejuns religiosos, particularmente o Ramadão, forneceram muitos dados sobre os efeitos do jejum intermitente diurno em humanos.
- Ramadão: Estudos sobre o Ramadão mostram consistentemente perda de peso transitória (frequentemente recuperada após o mês de jejum), alterações variáveis nos lípidos (por vezes melhorias no HDL, reduções no LDL/TG, mas inconsistente), e geralmente nenhum efeito adverso significativo no controlo glicémico em indivíduos saudáveis, embora possa melhorar alguns marcadores.12 Os efeitos podem depender da dieta consumida durante a noite e dos níveis de atividade física.
- Quaresma Ortodoxa: A restrição de produtos animais durante a Quaresma foi associada a melhorias modestas no perfil lipídico (redução do colesterol total e LDL).113
- Comparação Geral: Revisões que comparam diretamente o JI do Ramadão com o JI não-Ramadão (terapêutico) sugerem que, embora ambos possam levar à perda de peso e gordura, o JI não-Ramadão (que permite hidratação e pode ser combinado com exercício e controlo calórico mais consistente) parece ser mais eficaz na melhoria geral da composição corporal, incluindo potencial aumento da massa magra em alguns contextos.118 O jejum religioso pode ser confundido por alterações no sono, atividade física e composição da dieta que não estão presentes nos protocolos de JI terapêutico controlados.118
Em resumo, enquanto o JI moderno e o jejum religioso partilham o princípio da abstinência alimentar periódica e podem ativar mecanismos fisiológicos semelhantes, diferem significativamente no propósito, regras (especialmente hidratação e tipo de alimentos), duração e contexto cultural. Os estudos sobre jejum religioso fornecem informações valiosas, mas os resultados não são diretamente transponíveis para todos os protocolos de JI terapêutico, e vice-versa. O JI terapêutico oferece uma abordagem mais controlada e focada especificamente em resultados de saúde, mas carece da dimensão espiritual e comunitária intrínseca ao jejum religioso.
VIII. Conclusão: Síntese, Lacunas e Perspetivas Futuras
O jejum intermitente emergiu como uma estratégia dietética popular e cientificamente intrigante, afastando-se do foco tradicional no quê comer para enfatizar quando comer. Esta revisão abrangente da literatura científica, priorizando ensaios clínicos randomizados e meta-análises, revela um panorama complexo de mecanismos fisiológicos, benefícios potenciais, riscos significativos e considerações práticas.
Síntese dos Achados:
- Mecanismos: O JI induz uma mudança metabólica fundamental da utilização de glicose para cetonas (comutação G-para-K), orquestrada por alterações hormonais (insulina ?, glucagon ?, HGH ?), e ativa vias celulares conservadas ligadas à resistência ao stress, reparação (autofagia) e longevidade (SIRT1, FOXO, AMPK/mTOR). Também modula o stress oxidativo e a inflamação, embora a evidência em biomarcadores humanos seja mista.
- Eficácia na Perda de Peso: O JI é uma estratégia eficaz para a perda de peso, comparável em magnitude à restrição energética contínua (REC) quando o défice calórico é equiparado. A sua vantagem pode residir na preferência individual ou na facilidade percebida de adesão para alguns, e não numa superioridade metabólica inerente para a perda de peso. A preservação da massa magra durante o JI é uma área de preocupação que requer atenção, nomeadamente através da combinação com exercício de resistência e ingestão proteica adequada.
- Saúde Metabólica: O JI melhora consistentemente a sensibilidade à insulina. No entanto, o seu impacto no controlo glicémico global (HbA1c) em pacientes com diabetes tipo 2 é inconsistente nas meta-análises, necessitando de mais investigação e sublinhando a importância da supervisão médica rigorosa devido ao risco de hipoglicemia.
- Saúde Cardiovascular: O JI pode melhorar vários fatores de risco cardiovascular a curto prazo (pressão arterial, alguns lípidos). No entanto, dados observacionais recentes e preocupantes associam regimes de TRE muito restritivos (<8h/dia) a um risco aumentado de mortalidade cardiovascular a longo prazo. Esta descoberta crítica, embora preliminar e necessitando de confirmação, realça a potencial desconexão entre biomarcadores de curto prazo e desfechos clínicos a longo prazo, exigindo extrema cautela na recomendação destes regimes restritivos.
- Função Cognitiva e Envelhecimento: Apesar de mecanismos promissores e resultados positivos em modelos animais, a evidência de benefícios cognitivos consistentes em humanos saudáveis é fraca. O potencial para modular marcadores de envelhecimento e melhorar a saúde útil é plausível, mas a extensão da vida útil humana pelo JI não está comprovada.
- Segurança e Tolerabilidade: O JI é geralmente seguro para muitos adultos saudáveis quando praticado corretamente, mas acarreta riscos significativos para populações específicas (diabetes, distúrbios alimentares, gravidez, etc.). Efeitos colaterais como fome, dores de cabeça e fadiga são comuns inicialmente, mas geralmente transitórios. A consulta médica prévia é indispensável.
- Jejum Religioso: Partilha princípios com o JI, mas difere no propósito, regras (hidratação, tipo de alimentos) e contexto. Fornece dados valiosos, mas não diretamente transponíveis para todos os protocolos de JI terapêutico.
Lacunas no Conhecimento e Direções Futuras:
Apesar do volume crescente de investigação, persistem lacunas significativas:
- Estudos a Longo Prazo: São urgentemente necessários ECRs de longa duração (anos, não semanas ou meses) para avaliar a sustentabilidade, eficácia e, crucialmente, a segurança a longo prazo do JI, especialmente em relação a desfechos clínicos como eventos cardiovasculares, mortalidade, saúde óssea e função cognitiva. A validação (ou refutação) dos dados observacionais sobre mortalidade cardiovascular é uma prioridade máxima.
- Comparação Direta de Protocolos: Mais ECRs comparando diretamente diferentes tipos de JI (TRE vs. ADF vs. 5:2 vs. FMD) com REC e entre si são necessários para determinar se protocolos específicos oferecem vantagens únicas em termos de eficácia, adesão ou perfil de segurança.
- Impacto na Massa Magra e Função: É necessária investigação mais aprofundada sobre os efeitos do JI na massa magra, força muscular e função física, e como otimizar protocolos (incluindo exercício e nutrição) para minimizar perdas indesejadas.
- Populações Específicas: São necessários estudos de alta qualidade em populações diversas, incluindo idosos, diferentes grupos étnicos, e indivíduos com várias condições crónicas (além da obesidade e pré-diabetes/DT2), considerando respostas específicas por sexo.
- Qualidade da Dieta: A maioria dos estudos de JI não controla rigorosamente a qualidade da dieta durante as janelas alimentares. Investigar como a composição da dieta interage com o timing da alimentação é fundamental.
- Mecanismos em Humanos: Embora os mecanismos celulares (autofagia, sirtuínas) sejam bem estudados in vitro e em animais, a sua contribuição quantitativa para os resultados de saúde do JI em humanos precisa de ser melhor elucidada.
- Aspetos Psicológicos e Comportamentais: Compreender melhor os preditores de adesão, o impacto no risco de distúrbios alimentares e os efeitos a longo prazo no bem-estar psicológico é essencial.
Recomendação Final:
O jejum intermitente pode ser uma ferramenta válida para a gestão do peso e melhoria de alguns marcadores de saúde metabólica para certos indivíduos, funcionando como uma alternativa à restrição energética contínua. No entanto, não é uma solução universal nem isenta de riscos. A evidência atual não suporta a ideia de que seja superior à REC para a perda de peso, e preocupações significativas sobre a segurança cardiovascular a longo prazo emergiram recentemente para regimes muito restritivos.
A decisão de adotar o JI deve ser individualizada, baseada numa avaliação cuidadosa dos potenciais benefícios face aos riscos, considerando o estado de saúde do indivíduo, estilo de vida, preferências e, fundamentalmente, após consulta e com acompanhamento de um profissional de saúde qualificado. A ênfase deve permanecer na qualidade geral da dieta, na prática regular de atividade física e em padrões de sono saudáveis, que constituem a base de um estilo de vida promotor da saúde. O JI pode ser uma ferramenta adicional dentro deste quadro, mas não um substituto para estes pilares fundamentais. A investigação futura será crucial para refinar a nossa compreensão e otimizar a aplicação segura e eficaz do jejum intermitente.